<$BlogRSDUrl$>

sexta-feira, julho 08, 2005

da série ilustres tricolores

Em viagem à Argentina, certo passageiro foi interpelado no aeroporto por um funcionário da saúde pública, que lhe estendeu a mão e disse: “Vacunacíon, señor”. Como resposta, o médico recebeu um aperto de mão e a saudação “vacunacion para usted también”. O doutor ficou enfezado e expulsou o gozador do avião sem sequer pedir o atestado de vacina. A autoridade foi mais uma das vítimas do menino que usou o esqueleto humano da sala de aula para dar uma banana à professora, do rapaz que dormia durante o expediente no Banco do Brasil e do homem que sacudiu o Brasil pré-copa de 70 com suas crônicas debochadas.

Sérgio Porto praticou jornalismo numa época em que o ofício era sinônimo de romantismo e boemia. Sério e reservado para aqueles que o observavam à distância, era na verdade um humorista de primeira. Sob a alcunha de Stanislaw Ponte Preta, criou personagens e inventou comparações hilárias, como “mais suado que marcador de Pelé”, “mais feio que mudança de pobre” ou “mais inchada que cabeça de botafoguense”. Quando veio o ano de 64, não perdeu a dividida e apelidou o golpe militar de “A Redentora”. Aproveitou o clima de agitação política para colecionar os casos absurdos que infestavam o noticiário, como a decisão de um delegado de mandar prender o dramaturgo Sófocles por causa de uma peça que fora encenada na época. Daí surgiu o Festival de Besteiras que Assola o País, ou FEBEAPÁ. As besteiras foram tantas que o festival rendeu três livros.

No texto “Auto-retrato do artista quando não tão jovem”, Sérgio Porto (ou Stanislaw) traçou de forma irreverente e direta o próprio perfil. Nele, escreveu sobre a especialidade gastronômica que lhe enchia de orgulho (ovo estrelado), confessou sentir medo de insetos corpulentos e revelou a sua principal motivação (mulheres). As mulheres, aliás, não estavam presentes apenas nas madrugadas turbinadas por uísque. Foi graças a elas que ele ganhou notoriedade, quando criou na revista Manchete a seção “As mulheres mais bem despidas do ano”, uma brincadeira com a lista das mulheres mais bem vestidas de 1954, publicada no mesmo veículo. Chamava as mocinhas de “certinhas do Lalau”, em alusão ao recheio esteticamente “certo” daqueles trajes de banho.

Embora chegado numa farra, o autor da crônica “A velha contrabandista” – onipresente nos livros de Português dos meus tempos de escola – era um workaholic, numa época em que nem era moda usar essa palavra. O trabalho lhe dava notoriedade, mas pouco dinheiro. Para compensar, escrevia, escrevia muito, para imprensa, rádio e televisão. Chegava a ficar 15 horas batucando na máquina de escrever, de calção e sandálias havaianas, com um jazz ou um samba na vitrola para aliviar a barra. Era trabalho demais. O primeiro enfarto veio aos 36 anos. O quinto o matou aos 45, em setembro de 1968. Morreu cedo, como morreriam alguns dos ídolos que agitaram aquele conturbado ano. "Prefiro viver assim até os 40 do que vegetar até os 80", costumava dizer, entre uma dose de uísque e outra de cocaína, que ele chamava de “moça boliviana”.

O tricolor inveterado e mão aberta era também um pai severo. Deixou três filhas.

Comments:

This page is powered by Blogger. Isn't yours?