sábado, março 12, 2005
A visita à terra do Rei teve um aspecto de aventura irresponsável por causa das chuvas que caíam por lá. Havia uma atmosfera de tragédia ao longo da estrada encharcada, que se acentuava a cada trecho alagado que aparecia na beira do caminho, há poucos quilômetros do nosso destino. Era um cenário impressionante, belo até. Pastos cobertos de água barrenta, como se fossem enormes lagoas a perder de vista, o rio Itapemirim mais nervoso que o habitual, as montanhas ao fundo vencidas pela cerração. Meu anfitrião, que chamarei de Pato Donald, observava a paisagem enquanto assoviava uma canção da fase religiosa de Roberto Carlos. Foi ele quem me alertou uma coisa: nós éramos os dois únicos passageiros descontraídos do ônibus. Todos os outros, cerca de vinte, pareciam tensos, receosos, provavelmente preocupados com a situação dos familiares diante das chuvas incessantes.
Chegamos ao destino. Comemos algo e saímos pela cidade. Eu queria conhecer o pedaço, apesar da chuva. Subi e desci ladeiras, como um romeiro, mas não vi nada indicando que eu estivesse na “capital secreta do mundo”. Não vi os famosos flamboyants imortalizados na voz do Rei, a máquina de fazer chover (há tempos desmontada) nem os sabiás de Rubem Braga. Vi o rio de sempre, cujos três metros acima do nível normal tornaram-no atração do final de semana, vi encostas que desabaram e fui apresentado ao Zé Porquinho, o bêbado do bairro.
Mais tarde fui conhecer a noite da cidade. Fomos, eu, Pato Donald e mais quatro malucos, a um boteco apelidado de “Pai”, híbrido de Mãozinha e Centenário. O bar fica no segundo piso de uma casa. Tem uma varanda onde cabem umas quatro mesas com quatro cadeiras e no interior abriga uma mesa de sinuca e mais umas quatro mesas encostadas nas paredes, pintadas de branco e sem nenhuma decoração. Uma das paredes abriga o balcão, que fica do lado oposto aos sanitários. Atrás do balcão havia uma rapaz com seus 20 anos e um homem com uns 50. O mais velho tinha um semblante aborrecido, como se houvesse flagrado a mulher na cama com outro, perdido dinheiro no jogo e o cão atropelado por um motoboy. Tudo no mesmo dia. Havia um pequeno aparelho de som no canto do balcão tocando rock ou rap. Chegamos lá bem cedo, por volta das 21h30. Pensamos em jogar sinuca mas a mesa estava ocupada por um cara e uma loirinha gostosa, a única mulher do recinto. Sem outra alternativa, começamos a beber. Logo o bar começou a encher e a ficar mais interessante. Chegaram os metaleiros, os rappers, os indies e antenados. Esses últimos juntaram duas mesas e começaram um papo-cabeça. Duas das três mulheres do local estavam entre eles. Nós, na mesa ao lado, nos divertíamos ouvindo a conversa. Pato Donald, sob o efeito da cerveja e do aguardente Benfica, começou a implicar com o visual de um deles, que usava óculos ray-ban. Falava alto e apontava, mas ele fingiam que não viam nada. O bar enchia. Uns garotos começaram a cantar rap perto da nossa mesa. Ficamos incomodados com a ladainha e achamos melhor sair. Pagamos a conta, que na cabeça do taberneiro saiu quase 50% mais barata. Próximo à escada, um dos cantores de rap me convida para jogar sinuca valendo uma cerveja. Recuso. Digo que estou de saída. Vou treinar e enfrentá-lo na próxima vez que estiver lá.
Rodamos de carro pela cidade, debaixo de uma fina chuva, até chegar ao Snooker, uma espécie de clube de sinuca recém-inaugurado. Nem bem começamos a jogar quando um grupo de rapazes engomadinhos, vestindo calças e camisas sociais, entrou e passou a jogar na mesa próxima. Pato Donald, num surto paranóico, inventou que os caras estavam tirando onda com nossa cara e disparou alguns insultos discretos. Os caras perceberam e um clima de tensão pairou no estabelecimento. Os dois grupos tinham cinco componentes, mas eles eram fisicamente mais fortes. E pareciam sóbrios. Consegui convencer minha turma sair, pelo bem da nossa integridade física.
O domingo não reservou nada de especial. Só chuva, dvd, videogame. Nada de visita à casa do Rei Roberto Carlos. No caminho de volta, me senti meio pateta e me lembrei do velho ditado de ir a Roma e não ver o Papa. Ficou uma sensação de missão não cumprida, um vazio, como se esta visita fosse a primeira e última.
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Chegamos ao destino. Comemos algo e saímos pela cidade. Eu queria conhecer o pedaço, apesar da chuva. Subi e desci ladeiras, como um romeiro, mas não vi nada indicando que eu estivesse na “capital secreta do mundo”. Não vi os famosos flamboyants imortalizados na voz do Rei, a máquina de fazer chover (há tempos desmontada) nem os sabiás de Rubem Braga. Vi o rio de sempre, cujos três metros acima do nível normal tornaram-no atração do final de semana, vi encostas que desabaram e fui apresentado ao Zé Porquinho, o bêbado do bairro.
Mais tarde fui conhecer a noite da cidade. Fomos, eu, Pato Donald e mais quatro malucos, a um boteco apelidado de “Pai”, híbrido de Mãozinha e Centenário. O bar fica no segundo piso de uma casa. Tem uma varanda onde cabem umas quatro mesas com quatro cadeiras e no interior abriga uma mesa de sinuca e mais umas quatro mesas encostadas nas paredes, pintadas de branco e sem nenhuma decoração. Uma das paredes abriga o balcão, que fica do lado oposto aos sanitários. Atrás do balcão havia uma rapaz com seus 20 anos e um homem com uns 50. O mais velho tinha um semblante aborrecido, como se houvesse flagrado a mulher na cama com outro, perdido dinheiro no jogo e o cão atropelado por um motoboy. Tudo no mesmo dia. Havia um pequeno aparelho de som no canto do balcão tocando rock ou rap. Chegamos lá bem cedo, por volta das 21h30. Pensamos em jogar sinuca mas a mesa estava ocupada por um cara e uma loirinha gostosa, a única mulher do recinto. Sem outra alternativa, começamos a beber. Logo o bar começou a encher e a ficar mais interessante. Chegaram os metaleiros, os rappers, os indies e antenados. Esses últimos juntaram duas mesas e começaram um papo-cabeça. Duas das três mulheres do local estavam entre eles. Nós, na mesa ao lado, nos divertíamos ouvindo a conversa. Pato Donald, sob o efeito da cerveja e do aguardente Benfica, começou a implicar com o visual de um deles, que usava óculos ray-ban. Falava alto e apontava, mas ele fingiam que não viam nada. O bar enchia. Uns garotos começaram a cantar rap perto da nossa mesa. Ficamos incomodados com a ladainha e achamos melhor sair. Pagamos a conta, que na cabeça do taberneiro saiu quase 50% mais barata. Próximo à escada, um dos cantores de rap me convida para jogar sinuca valendo uma cerveja. Recuso. Digo que estou de saída. Vou treinar e enfrentá-lo na próxima vez que estiver lá.
Rodamos de carro pela cidade, debaixo de uma fina chuva, até chegar ao Snooker, uma espécie de clube de sinuca recém-inaugurado. Nem bem começamos a jogar quando um grupo de rapazes engomadinhos, vestindo calças e camisas sociais, entrou e passou a jogar na mesa próxima. Pato Donald, num surto paranóico, inventou que os caras estavam tirando onda com nossa cara e disparou alguns insultos discretos. Os caras perceberam e um clima de tensão pairou no estabelecimento. Os dois grupos tinham cinco componentes, mas eles eram fisicamente mais fortes. E pareciam sóbrios. Consegui convencer minha turma sair, pelo bem da nossa integridade física.
O domingo não reservou nada de especial. Só chuva, dvd, videogame. Nada de visita à casa do Rei Roberto Carlos. No caminho de volta, me senti meio pateta e me lembrei do velho ditado de ir a Roma e não ver o Papa. Ficou uma sensação de missão não cumprida, um vazio, como se esta visita fosse a primeira e última.
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